“Não fiz da gravura uma forma mecânica; ainda tenho esperanças, faço descobertas e gravo com a mesma satisfação de há 40 anos.”
Goeldi, expressionista, descendente (ou irmão) de Alfred Kubin. Preocupado com o mistério do mundo, com o significado do ser e do existir, ia buscando na paisagem os pequenos segredos da existência, segredos que desvendava à custa de lágrimas e suor, à custa de um trabalho árduo, mais que cotidiano, um trabalho de todas as horas, com o sol e, principalmente, com a noite. Com a goiva abria os sulcos da vida; com incisões firmes, traçava os caminhos da luz, essa luz terrivelmente forte a recortar os perfis dos homens magros, dos trabalhadores do mar e dos animais abandonados. Dava à madeira uma função nova, criava-lhe a seiva perdida, fazia-a participar de novo da vida esvaída há tempos. A madeira lisa se transformava num mundo fantástico, de peixes, homens, animais, casas: Goeldi, o artista, derramava a sua alma, como um raio e como tinta. Mesmo a morte vem iluminada entre os corvos e galhos de árvores secadas.
Este mundo fantástico surrealista, que Goeldi criou, mostra, antes de tudo, a alma generosa do homem, este que soube compreender os homens, que soube misturar-se com eles, bebendo a dor e as alegrias simples; soube dar a mão aos bêbados perdidos na chuva e soube cantar ou chorar com as criancinhas, aquelas dos bairros pobres, aquelas que buscavam canal para a sua expressão própria, na escolinha, aquelas que se perdiam no lamaçal, catando restos para matar a fome. Goeldi, transpôs, como nenhum outro o soube, todas estas experiências para os planos da arte e a purificou a um tal grau que acabou lhe garantindo a eternidade. Goeldi construiu o fantástico.
Mas a essa fantasia, aliava-se uma exigência objetiva de artesão, que talhava a madeira com extremo rigor, para tornar realidade e comunicação as suas experiências profundas.
A par de suas experiências humanas, foi descobrindo no trabalho artesanal, novas possibilidades de expressão dentro do gênero. Experiências que aos poucos foram dando à sua gravura maior comunicação e impacto. A técnica se enriqueceu vagarosamente, não foi por acaso que começou a usar as cores. E, usou-as, não para efeito decorativo, como tradicionalmente é empregada, mas como elemento expressivo, integrado à composição. Ele próprio disse: “Não fiz da gravura uma forma mecânica; ainda tenho esperanças, faço descobertas e gravo com a mesma satisfação de há 40 anos.”
Ferreira Gullar
Fonte: Texto de apresentação do poeta Ferreira Gullar para o livro Goeldi, de José Maria dos Reis Junior, publicado pela Ed.Civilização Brasileira, em 1996, dentro da Coleção Panorama das Artes Plásticas.
Biografia Básica
Oswaldo Goeldi (Rio de Janeiro RJ 1895 – idem 1961). Gravador, desenhista, ilustrador, professor. Filho do cientista suíço Emílio Augusto Goeldi. Com apenas 1 ano de idade, muda-se com a família para Belém, Pará, onde vivem até 1905, quando se transferem para Berna, Suíça. Aos 20 anos ingressa no curso de engenharia da Escola Politécnica, em Zurique, mas não o conclui. Em 1917, matricula-se na Ecole des Arts et Métiers [Escola de Artes e Ofícios], em Genebra, porém abandona o curso por julgá-lo demasiado acadêmico. A seguir, passa a ter aulas no ateliê dos artistas Serge Pahnke (1875 – 1950) e Henri van Muyden (1860 – s.d.). No mesmo ano, realiza a primeira exposição individual, em Berna, na Galeria Wyss, quando conhece a obra de Alfred Kubin (1877 – 1959), sua grande influência artística, com quem se corresponde por vários anos. Em 1919, fixa-se no Rio de Janeiro e passa a trabalhar como ilustrador nas revistas Para Todos, Leitura Para Todos e Ilustração Brasileira. Dois anos depois, realiza sua primeira individual no Brasil, no saguão do Liceu de Artes e Ofícios. Em 1923, conhece Ricardo Bampi, que o inicia na xilogravura. Na década de 1930, lança o álbum 10 Gravuras em Madeira de Oswaldo Goeldi, com introdução de Manuel Bandeira (1886 – 1968), faz desenhos e gravuras para periódicos e livros, como Cobra Norato, de Raul Bopp (1898 – 1984), publicado em 1937, com suas primeiras xilogravuras coloridas. Em 1941, trabalha na ilustração das Obras Completas de Dostoievski, publicadas pela Editora José Olympio. Em 1952, inicia a carreira de professor, na Escolinha de Arte do Brasil, e, em 1955, torna-se professor da Escola Nacional de Belas Artes – Enba, no Rio de Janeiro, onde abre uma oficina de xilogravura. Em 1995, o Centro Cultural Banco do Brasil realiza exposição comemorativa do centenário do seu nascimento, no Rio de Janeiro. Em 2010 é realizada no Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro, uma grande exposição comemorativa “Goeldi: o encantador das sombras”, pelos 50 anos de morte do artista.
Site do artista: www.oswaldogoeldi.org.br
Fonte: www.itaucultural.org.br