Roberto Magalhães: entrevista para a série Depoimentos do livro Gravura Brasileira Hoje

24 de Maio de 2017
Roberto Magalhães, pintor e artista gravador contemporâneo

Em 1995 a Oficina do SESC-TIJUCA publicou três livros de entrevistas denominados “Gravura Brasileira Hoje - Depoimentos”. A publicação foi editada pelas professoras Heloisa Pires Ferreira e Maria Luiza Luz Távora a  partir das entrevistas feitas por Adamastor Camará,  onde foram colhidos os testemunhos dos mais importantes artistas gravadores do país. Tal publicação tem uma importância histórica relevante para a compreensão do percurso da gravura no Brasil e a coleção,  além de estar esgotada, não é facilmente encontrada nem em acervos públicos. Por isso, a Galeria O Papel da Arte estará reproduzindo todas as entrevistas publicadas e assim  contribuindo para o conhecimento da arte da gravura e da sua história através de seus maiores expoentes. Aproveitem e conheçam a trajetória destes maravilhosos artistas.



“Batalha I”, 1963. Xilogravura de Roberto Magalhães.

Como é que você chegou a desenhar? Como foi seu início na arte?

RM: Sempre desenhei. Desde garoto, desenhava muito. Até eu ingressar no ateliê da Escola Nacional de Belas Artes, não conhecia nenhum artista, não conhecia ninguém. Então eu desenhava muito sozinho, sem orientação. Eu tinha 22 anos nesta época. Foi quando entrei para o ateliê de gravura, em 1962, e fiz exposição na galeria Macunaíma. Desenhos também, desenhos surrealistas a bico-de-pena.


Críticos e ensaístas da época dizem que você já aparece com estilo definido, como se tivesse muito tempo de trabalho…

RM: Pois é. Nunca raciocinei muito encima da minha arte. Sempre foi uma coisa muito espontânea e se, por acaso teve um estilo mais definido, foi por espontaneidade, não através do intelecto, do pensamento.  Eu lia muitos livros de iniciação científica – coisa que gosto muito, além da ficção científica. Era este o meu tipo de leitura, mais voltado para a ciência. Naquele tempo, as pessoas gravavam numa temática basicamente expressionista. Era a escola de Goeldi, da xilogravura expressionista. Mas eu comecei a gravar, talvez por intuição, num processo diferente. Algumas pessoas me criticavam e diziam que aquilo não era xilogravura. Não era assim que se fazia uma xilogravura. Mas, eu pergunto: Não era gravada na madeira?


Mas o que você fazia que não consideravam  gravura?

RM: Era xilogravura. Eu fazia um desenho no papel, quadriculava o papel e passava esse desenho para a madeira. Ou então, desenhava direto na madeira, com pincel e nanquim, entende? Fazia o desenho na madeira. Eu desenhava o que seria o positivo. Isso, na época, as pessoas achavam uma heresia, que não era assim que se gravava.

Então eu fazia os estudos no papel, com nanquim. Tudo desenhado com aquela espontaneidade que o pincel dá. Dali, passava fielmente para a madeira, para a placa de madeira. E com isso suprimia as características expressionistas da gravura da época. Naquele tempo, ninguém fazia isso, compreende? Então, era como uma heresia mesmo,  gravar dessa maneira, não podia. Era proibido.

Na Escola, as pessoas ficavam chocadas  e me falavam que não era assim, não podia. Mas eu continuava. Entretanto não eram todas as pessoas, só algumas cabeças mais tradicionalistas. Comecei a frequentar a Escola de Belas Artes, quer dizer, fiz prova, não passei, mas assim mesmo comecei a frequentar e a conhecer os artistas, os alunos. Foi quando frequentei o ateliê de gravura, com o Adir Botelho. Lá é que eu vi que existia uma coisa que se chamava xilogravura, entende? E se cavava com a goiva na madeira e se imprimia.


Como foi o encontro com essa disciplina da Escola Nacional de Belas Artes?

RM: É, a Escola sempre foi assim mais ligada às formas acadêmicas. Mas aprendi muito lá, porque foi o primeiro contato que eu tive com artistas. Antes, eu trabalhava sozinho. O convívio foi muito bom para mim, não só contato humano, como com as técnicas também, de desenho e de pintura.

Era mais uma questão de amizade mesmo, amizade pessoal, apesar de não ter às vezes, uma ligação artística com determinada pessoa. Conheci gravadores bons naquele tempo, um que eu não ouvi mais falar, por exemplo,  é o Mário Pannuzio. Era ótimo, excelente gravador. Trabalhava lá na Escola, não sei mais dele.

A Enba era um lugar ótimo em todos os sentidos. Depois, a facilidade de frequentar a Escola, livremente, acabou no tempo da ditadura. Começaram a jogar umas bombas na porta da escola. As pessoas começaram a ficar com muito medo e aí fecharam mesmo. Quem não fosse aluno não podia entrar, e o clima de companheirismo desapareceu.


Você foi fazer gravura com Adir. Como é que foi exatamente a sua reação a essa aceitação tão pronta da crítica ou dos jornalistas que viam seu trabalho naquele momento?

RM: Eu nem entendia muito como isso acontecia porque foi muito rápido. Inclusive, comecei a sobreviver com as gravuras que vendia. Quer dizer, tinha uma vida muito modesta mas, vendendo umas gravurinhas por mês, já dava para viver.

Fiz exposições coletivas lá na Escola de Belas Artes mesmo,  numa galeria que hoje é uma sala, logo na entrada à direita. E as minhas gravuras começaram a ser vendidas. E como as tiragens eram de vinte cada, vendia várias vezes. Então, já dava para eu viver de arte.

O meu trabalho de desenhista de propaganda ajudou muito no meu processo de trabalho. Aprendi muita técnica gráfica, de impressão, técnicas de desenho para ser reproduzido. Muitas vezes eu pegava um desenho, pedaços de desenhos, e juntava, fazendo um desenho maior, o que também era outra heresia, não? Ia juntando e formava uma coisa que eu achava que dava uma boa gravura. Comecei a me entusiasmar porque o resultado era muito bom. Ficava mesmo satisfeito com aquilo que eu estava fazendo.

Então, comecei a gravar. E gostava mesmo de gravar. E gravava muito. Eu trabalhava sempre doze horas por dia. Só em madeira: peroba ou canela. Antes, eu trabalhava em empresa de publicidade. Fazia lay-out e arte final. Entretanto, não conseguia me adaptar nos lugares em que trabalhava. Primeiro, porque não gosto de horário, acordar cedo, aquelas coisas. E depois, havia as limitações mesmo da encomenda. Quem manda no seu trabalho não é você. Você tem que se submeter àquelas normas do cliente. Fiquei trabalhando em publicidade talvez uns três anos.

Mas, antes ainda, desenhei rótulos de cachaça, vinhos e tal. Meu tio tinha uma gráfica e ele me encomendava os rótulos. Quer dizer, eram letras para os rótulos, desenhos, essas coisas. Fiz muita capa de livro e ilustrações. Fiz ilustrações para a Revista Senhor por volta de 1962-1964 e para outras revistas que nem me lembro. A publicidade me deu a visão objetiva dessas coisas gráficas, de impressão. O que era difícil era o lado comercial, não conseguia me adaptar.

Quando fiz a exposição na Macunaíma e comecei a vender xilogravuras, aí decidi mesmo parar de fazer publicidade e viver somente do trabalho de arte. Há vinte e cinco anos ,não faço mais gravuras e não sei, realmente, porque motivo larguei.

Você tentou outras técnicas de gravura?

RM: Muito depois cheguei a fazer algumas litos e algumas gravuras em metal. Mas muito poucas. No Parque Lage, fiz uma tiragem de lito. Mas só desenhei, a impressão foi do Antonio Grosso. Aliás, na área de impressão, tanto de lito ou de metal, nunca mexi, não conheço nada.


“O arrependimento é carga pesada”, xilogravura de Roberto Magalhães, 1969.


GRAVURA: REPRODUTIBILIDADE. O MÚLTIPLO COMO DESTINO


Que considerações você pode fazer acerca do caráter multiplicador da gravura? Faz sentido a cópia única em gravura?

RM: Mesmo tendo a gravura um caráter multiplicador, não me oponho a uma experiência impressa  numa única cópia.


TRADICIONALISMO E VANGUARDA EM GRAVURA


Uma postura mais tradicional ou vanguardista na gravura, a seu ver estariam relacionadas à escolha de uma determinada técnica de gravura?

RM: Uma linguagem mais tradicional ou vanguardista na gravura nada tem a ver com a técnica de gravura, e sim com a forma, com a “linguagem” do artista.


ENSINODA DA GRAVURA: SUA DIFUSÃO E INFLUÊNCIAS 


Você acha possível ensinar arte?

RM: É possível orientar a pessoa dentro do seu caminho pessoal. É preciso levá-la a descobrir este caminho e isto só se dá com o trabalho. O orientador tem que ver por onde é que a pessoa se expressa melhor e deixá-la se conduzir por aquele caminho.

Cheguei a dar aulas por pouco tempo no MAM, do Rio, por volta de 1974. Gosto de dar aulas. É preciso salientar que, no meu trabalho, a chapa de gravura é algo a ser trabalhado por suas características escultóricas. O que me atraía era o trabalho meticuloso. Sempre gostei do relevo da madeira, a escultura, que me permitia trabalhar com maior delicadeza e precisão, eu vibrava com o relevo que saía da madeira.


 A GRAVURA E A CRÍTICA DE ARTE


Como você vê a crítica de arte no Brasil? Ela tem dado conta das questões que envolvem seu trabalho?

RM: A crítica de arte, na minha opinião, foi deixando de existir. Parece que as pessoas foram perdendo a paciência de se dedicarem a texto densos e extensos sobre arte. Preferem agora uma leitura mais leve, mais jornalística. Os próprios críticos, desorientados com os caminhos da arte, não se arriscam mais a opiniões pessoais contentando-se com uma abordagem descritiva e superficial das obras. É claro que há exceções.


Fonte:

Gravura Brasileira Hoje Depoimentos
SESC Regional do Rio de Janeiro
(org. Heloisa Pires Ferreira e Maria Luiza Luz Távora)
Rio de Janeiro: SESC/ARRJ, 1995