O Álbum Souvenirs de Rio de Janeiro, de Jacob Steinmann

22 de Setembro de 2022
SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: “Forteza Sta. Cruz e Praya Vermelha”, vista nº 13, desenho de Deburne, gravado por Frédéric Salathé, 1835.


 Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha (1922-2009),
 chefe do Depto de Iconografia da Biblioteca Nacional

Grande foi a atração exercida pelo Brasil nos artistas do século XIX. Atestam esse interesse os inúmeros álbuns e livros de viagens ilustrados que fixam as paisagens luminosas, os insólitos aspectos de uma sociedade em permanente evolução e os costumes populares guardando marcantes reminiscências africanas. 

Dentre os muitos conjuntos que levaram à Europa o conhecimento do Brasil, destaca-se o valioso álbum de gravuras a água-tinta intitulado Souvenirs de Rio de Janeiro, dessinés d'aprés nature par J. Steinmann. 

Debruçar-se no passado, folhear estes preciosos conjuntos, evocar antigas paisagens hoje transformadas pelo progresso, é não só prazer, mas também razão de estudo. Assim, mister se faz atualizar as informações referentes a Johann Stein mann, responsável pela edição de tão primoroso conjunto, e do artista que as gravou, Friedrich Salathé. Poucas são as notícias sobre o litógrafo e desenhista suíço, considerado o introdutor da litografia nos estabelecimentos oficiais do Rio de Janeiro. 


O litógrafo Jacob Steinmann

Johann Jacob Steinmann (Basel, 17 set. 1800 Basel, 20 jun. 1844), contratado pelo Arquivo Militar, aqui chegou em outubro de 1825, acompanhado de mulher e filha e desembarcou do bergantim Cecília, vindo da França. Ao se registrar na Polícia deixou fixada uma descrição de sua pessoa: 24 anos, estatura baixa, cor branca, cabelos castanhos para ruivos, pouca barba, rosto comprido e olhos pardos. Sua vinda para o Brasil, conforme se depreende da documentação existente no arquivo de sua cidade natal, Staatsarchiv Basel, foi resultado de entendimentos com o representante do governo brasileiro em Paris, que o contratou para, no Rio de Janeiro, iniciar a arte da litografia como "litógrafo do Imperador", isto é, litógrafo oficial, com subordinação ao Arquivo e Academia Militar. Acrescentaremos a sua biografia que Steinmann iniciou seus estudos em 1821, entrando para o estabelecimento litográfico de Engelmann, em Mulhouse, Alsácia, vizinho de seu torrão natal. Aperfeiçoa-se em seguida com Alois Senefelder, o inventor da litografia, estabelecido em Paris, aonde vai encontrá-lo o encarregado de negócios brasileiro. Trouxe ele os elementos materiais imprescindíveis ao ensino da arte litográfica, cuja oficina funcionou na Rua da Ajuda, tendo o Arquivo Militar, além do especializado mestre, mais seis aprendizes sob sua orientação (Almanaque do Império do Brasil, 1829). 


SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Vista de N.S. da Glória et da Barra do Rio de Janeiro", vista nº7, desenho de Kretschmer, gravador por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão cinza escuro de época, 1835 com o raro relevo seco de J.S. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um  dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX. 

Documentos existentes no Arquivo Nacional registram que, logo após haver organizado a oficina, montando máquinas e lecionando a arte litográfica a seus ajudantes, Johann Steinmann pretendeu, além dos compromissos oficiais, encarregar-se de encomendas particulares e comerciais, usando para tal a maquinaria de propriedade do Estado. São de grande interesse tais papéis, de cuja leitura se infere haver ele obtido uma autorização verbal do imperador Pedro I, para exercer esses serviços extraordinários, não recebendo, porém, o necessário apoio do comandante chefe da Academia Militar, Joaquim Norberto Xavier de Brito, nem o veredictum do ministro seu superior. 

O fato é que, durante cinco anos, trabalhou litografando mapas e outros impressos para o Arquivo Militar, impressora cartográfica oficial do Primeiro Império e, em 1830, ao terminar seu compromisso com o governo de Sua Majestade Imperial D. Pedro I, estabeleceu oficina própria de cujas prensas se conhecem alguns mapas e folhas volantes de costumes e tipos populares do Rio de Janeiro. 


SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Ilha das cobras", vista nº5, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época, 1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um  dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX. 

Os registros da época relacionam para sua oficina os seguintes endereços, publica dos no Almanaque do Império do Brasil, editado por Seignot Plancher: 1829 (Beco Ma nuel de Carvalho n° 2, proprietário J. Steinmann) e, em 1830 (Rua do Ouvidor, nº 199). Pertencem à sua oficina litográfica as seguintes estampas de tipos populares impressas no Rio de Janeiro (peças raríssimas, guardadas na Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional): 

1. João Theodosio, Capitão Henrique Dias, por antonomásia parte", (CEHB, 17.851);
2. Buonaparte (a paisana), (CEHB, 17.852);
3. O filósofo do caes do Paço, (CEHB, 17.854);
4. O músico Policarpo, (CEHB, 17.855);
5. Praia Grande (doido), (CEHB, 17.856). 

Conhecem-se ainda vários mapas, alguns dos quais figuraram em obras editadas por Seignot Plancher, e impressos na litografia do Arquivo Militar ou em sua oficina: 

1. Planta demonstrativa da medição da Imperial Fazenda de Santa Cruz, de duzida da cópia em resumo do Tombo da mesma Imperial Fazenda. Pro cedido em tempo dos Jesuítas, cujo resumo me foi presente pelo Ilmo. Sr. Desembargador José Paulo de Figueiredo Nabuco de Araújo, escripto de seu próprio punho por cópia conforme ao original feita e por mim assinada Engenheiro Cezar Cadolino. Calculada pelo piloto Juliano de Sa Chaves. Rio de Janeiro, Lith. de Steinmann;
2. Plan de la Baie de Rio de Janeiro levé em 1826 et 1827 par M. Barral, lieutenante de Vaisseau, embarqué sous les ordres de M. Ducamp de Rosamel contre amiral Commandant de la Station Française de l'Amerique Meridio nale. Rio de Janeiro, chez Seignot Plancher, Lith. de Steinmann, s. d. (1830);
3. Planta do Rio de Janeiro. E. de la Michellerie del. Rio de Janeiro, Lith. De Steinmann e Cia, 1831;
4. Trecho da Fazenda de Santa Cruz assinaladas as testadas com terras vizinhas/Rio de Janeiro, Lith. de Steinmann, s. d./ 1829/;
5. Planta do Rio de Janeiro. 1828. Lith. do Archivo Militar;
6. Planta hydrographica do Porto do Rio de Janeiro. Levantada pelo Capitão Tenente Diogo Jorge de Brito e outros oficiais da Armada. Ano de 1810. Lith. do Archivo Militar, 1827;
7. Bahia de Todos os Santos. Steinmann sc. Lith. do Archivo Militar;
8. Mapa da Província do Rio de Janeiro. Lith. de Steinmann, 1833. (In Ayres de Cazal. Corographia brasilica, 2 ed. tomo II);
9. Appendix a Colleção Chronologica Systematica da Legislação da Fazenda no Império Brazileiro, folha de rosto lith. por Steinmann. 

Certamente também foi litografada em sua oficina a estampa seguinte representando um acontecimento político no Rio de Janeiro, por ocasião de uma das revoltas na época da Regência: 

10. Entrada na Igreja de S. Francisco de Paula, do enterro do guarda municipal Estevão de Almeida Chaves, morto no ataque à ilha das Cobras em 7 de outubro de 1831. Litho. por Eugene de la Michellerie (CEHB, 17.492), folha volante que acompanhava a edição do Jornal do Commercio, editado por Seignot Plancher, para quem Steinmann trabalhava. Em 1833, a 12 de fevereiro, Steinmann embarca de volta à França, conforme as declarações constantes do registro da Polícia. 

Embora considerados peças raríssimas dos primórdios da arte de gravar no Brasil, não são, porém, os documentos acima relacionados os que dão a Johann Jacob Steinmann a projeção que atualmente lhe concedem os colecionadores. E sim o seu encantador álbum de vistas editado em Basel, na Suíça, depois de voltar à sua terra natal, ao encerrar no Rio de Janeiro suas atividades como litógrafo - hoje procurado e exibido como uma das joias preciosas de qualquer coleção de estampas do Brasil. 


SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Moro do Castello & Praya d'Ajuda", vista nº10, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época, 1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um  dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX. 

Consta esse conjunto, intitulado Souvenirs de Rio de Janeiro, de doze águas tintas aquareladas, apresentadas em folhas separadas, montadas em papel espesso, cuja moldura litografada apresenta, entre arabescos e motivos ornamentais de caráter naturalista, pequenas cenas de costumes brasileiros entremeados numa profusão minuciosa de folhagens e frutos tropicais, lembrando, pelo excesso de ornamentação, influências da "chinoiserie" do século XVIII. A folha de rosto repete, na cercadura, duas colunas de florões de plantas tropicais, ladeando cenas típicas brasileiras, e ao centro ocorre o título e demais dizeres: Souvenirs de Rio de Janeiro, dessinés d'aprés nature et publiés par J. Steinmann. Varia a imprenssão de alguns exemplares, onde se pode ler ainda: "a Bâle, chez editeur". 

A data dos mais antigos álbuns é fixada em 1835; conhecem-se outros, datados de 1836, e ainda exemplares há em que o ano foi alterado para 1839, a fim de se fazer crer numa edição mais atualizada. Quanto às estampas que compõem o conjunto conhecem-se 13: pequenas vistas da cidade e arredores do Rio de Janeiro (província), todas preparadas para figurar no álbum, que, entretanto, completo, consta de 12 águas-tintas primorosamente aquareladas, sendo raríssimos os exemplares monocromos. 

Gravadas pelo laborioso processo sobre o cobre por Friedrich Salathé, famoso artista suíço, foram elas preparadas segundo desenhos de vários artistas que estiveram no Brasil entre 1825 e 1833: 

1. Caminho dos Órgãos, desenho de Steinmann; 
2. Largo do Paço, desenho de Victor Barat; 
3. Nova Friburgo (Colônia Suíça no Morro Queimado), desenho de Steinmann;
4. Plantação de café, desenho de Steinmann; 
5. Ilha das Cobras, desenho de Steinmann; 
6. St. João de Carahy, a Praia Grande, desenho de Steinmann ;
7. Vista de N. S. da Glória e da Barra do Rio de Janeiro, desenho de Kretschmer; 
8. Vista do Sacco d'Alferes et de St. Christóvão, desenho de Steinmann; 
9. Vista tomada de Santa Teresa, desenho de Kretschmer; 
10. Morro do Castello e Praya da Ajuda, desenho de Steinmann; 
11. Botafogo, desenho de Steinmann; 
12. Igreja de S. Sebastião, desenho de Steinmann; 
13. Fortaleza Sta. Cruz e Praya Vermelha (sic) desenho de Deburne.

 

SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Plantação de café", vista nº4, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época, 1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um  dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX. 

Figuram em geral nos álbuns apenas 12 destas peças, sendo que as mais raras e difíceis de encontrar nos conjuntos são as de número 12 e 13, que raramente ocorrem no mesmo álbum. 

Interessante detalhe em relação ao endereço do editor é que ele ocorre na folha de rosto: "publiés par J. Steinmann a trouver chez..." em branco em alguns exemplares, enquanto que em outros se completa a indicação: "Deposé la Direction Paris, chez Rittner et Goupil". As vinhetas trazem na margem inferior direita: "A Bâle, chez Steinmann editeur". 

Infere-se das notícias biográficas do gravador suíço Friedrich Salathé, terem sido as estampas preparadas em Paris. Ele nasceu em Birmingen, perto de Basel, a 11 de janeiro de 1793, e faleceu em Paris, a 12 de maio de 1858. Foi aluno do conhecido mestre Pieter Birmann e, tendo se associado a seu filho Samuel, viajou para a Itália entre 1815 e 1821. Nos anos seguintes, 1821-1823, Salathé trabalhou para a firma Falkeisen e Huber, estabelecida em sua cidade natal. Transferiu-se em seguida para Paris, onde gravou panoramas e vistas, trabalhando para casas especializadas no gênero, entre elas Rittner et Goupil. Viveu em Paris até morrer. 

De 1831 a 1842, a sociedade Rittner et Goupil achava-se estabelecida em Paris como firma editora de estampas. Para ela trabalhava Friedrich Salathé. É fácil acompanhar os entendimentos de Steinmann, então de volta do Brasil, com seu compatriota e amigo e a firma especializada; 26 cartas existentes no Staatsarchiv, Basel, testemunham as ligações de amizade e negócios que uniam os dois suíços e os trabalhos preparatórios da gravação e impressão das belíssimas águas-tintas. 

Graças a outros trabalhos que conhecemos, panoramas de cidades brasileiras, também gravados por F. Salathé, podemos admitir serem as águas-tintas dos diversos álbuns Souvenirs de Rio de Janeiro, aquareladas posteriormente por Steinmann, enquanto outras o foram pelo célebre gravador suíço. Como é sabido, são raríssimos os exemplares monocromos. 


SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "St. João de Carahy, a Praia Grande", vista nº6, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época, 1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um  dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX. 

Conforme os dizeres da folha de rosto, que variam, podemos acrescentar que a edição foi em parte lançada pela casa editora francesa em Paris e parte entregue a Steinmann, que a distribuiu e vendeu em Bâle, na Suíça. 

Devido ao grande interesse que o conjunto tem despertado no Brasil, o álbum Souvenirs de Rio de Janeiro mereceu duas reedições fac-similares nas décadas de 1940 e de 1950, publicadas pela Livraria Martins Editora e pela Frank Arnau Gráfica. Lança-se presentemente uma terceira edição em fac-simile, preparada pelos editores de tantos livros sobre o Brasil, que vem atestar o alto conceito em que é tido o álbum de Steinmann - não só pela beleza das estampas, como por ser também um in dispensável documentário do Rio de Janeiro na primeira metade do século dezenove. Ao programar para o ano de 1967 esta publicação, contribui a Livraria Kosmos Editora, com elevado padrão de arte gráfica, para enriquecer a iconografia carioca, na data em que se comemoram os quatrocentos anos da transferência da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (foi fundada dois anos antes) da várzea do Cara de Cão para o morro do Castelo. 

1. Arquivo Nacional, Policia. Legitimações e passaportes, Codice 381, livro
2 fls. 14 verso.
2. Ministério da Guerra. Arquivo Militar. Caixa 961-1, 1826.


Fonte: Cunha, Lygia da Fonseca Fernandes. O Acervo Iconográfico da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2010.