Água-Forte


Marcus Lontra, Curador de Arte olhando e sorrindo para a foto
"Pierrot", gravura metal, água-forte. Carlos Oswald, 1914.

“A preparação de uma chapa para a execução da água forte, e isso se refere a todos os métodos em que intervém vernizes e ácidos, tem a maior importância e por isso exige o maior cuidado e prática. Primeiramente, remove-se completamente a graxa do cobre, esfregando-o energicamente com branco de Espanha e álcool retificado. Para isto, derrama-se um pouco de branco de Espanha sobre a superfície da chapa, junta-se um pouco de álcool e esfrega-se toda a superfície da chapa com um pedacinho de gaze, tendo especial cuidado com as partes vizinhas dos bordos, onde a gordura tende a se depositar. Usa-se gaze por ser um pano absolutamente livre de gorduras ou impurezas. Não se deve ter pressa em terminar esta operação a fim de que o desengraxamento seja perfeito. Uma vez suficientemente esfregada a chapa, duas ou três vezes, deve-se aquecê-la ligeiramente para facilitar o desprendimento de pó que se remove com uma gaze limpa. Com o aquecimento da chapa, o álcool evapora-se e o branco de Espanha torna-se quebradiço, fácil de ser removido inteiramente. Terminada a limpeza, não se deve mais tocar na superfície da chapa, os dedos têm graxa e esta sobre a chapa, não permite a aderência perfeita da cera. Segura-se, então, com o torno de mão, a chapa, colocando-a sobre um pequeno fogareiro a álcool a fim de aquecê-la, o que não deve ser feito em demasia, pois queimaria a cera. Conservando a chapa presa no torno de mão, e apoiada à mesa pelo bordo oposto, espalha-se um pouco de verniz sobre a sua superfície. Este deve estar colocado dentro de uma boneca de seda, de finíssima trama, a fim de reter as impurezas que possa conter a mistura o que prejudicariam a resistência da camada de verniz. Posto este, e em seguida espalhado numa fina película que se uniformiza, usando de um tampão com o qual se bate sobre a superfície encerada, até que esta se apresente completamente uniforme. Uniformiza-se a camada de cera, que deve ser bastante delgada e bem distribuída, a princípio, pressionando-a com o tampão para logo finalizar com um batimento mais rápido. Quando se sente que o tampão pega, é sinal que a chapa está se tornando fria, de que a cera endurece e, neste caso, deve-se aquecer a chapa novamente. É melhor que isto não aconteça. É importante, quando se encera, observar como se conduz o tampão. Este deve ser levantado sempre verticalmente e de súbito. Também será conveniente fazê-lo passar rapidamente sobre a chama, antes de usá-lo. Quando se finaliza o enceramento e dão-se os últimos toques, o tampão deve apenas assentar levemente sobre a camada de cera. É absolutamente necessário que o tampão seja feita com seda cuja trama seja apertadíssima, isto é, com um grão muito fino, a fim de que não danifique a camada de cera. Quando se usa o tampão, conserva-se a chapa inclinada com o lado oposto ao que está preso no torno de mão apoiado sobre a mesa, alguma impureza que, com os repetidos movimentos do tampão, se possa, por infelicidade, colher, de sobre a mesa, alguma impureza que, transportada para a chapa, seria desastroso. Quando se põe o verniz, passa-se a boneca que o contém num movimento de zig-zag, numa linha contínua. Terminado o enceramento da chapa, deve-se observar atentamente se, sobre a camada do verniz, não há falhas ou bolhas de ar. Ainda com a chapa quente, suspende-se esta sobre a chama de uma lâmpada de petróleo ou sobre uma tocha de cera, que se vende para este fim, fazendo com que a lâmpada passeie sobre a camada envernizada, primeiramente num sentido, digamos, da esquerda para a direita, depois da direita para a esquerda, para finalmente, cruzar. Não se deve fazer um movimento circular. Segura-se o torno de mão com a mão esquerda, acima da altura dos olhos, e empunha-se a tocha com a mão direita. O movimento da chama deve ser feito com grande regularidade; nada de atropelos. Se não se fizer o movimento regular, o enegrecimento da camada não será uniforme e ainda se corre o risco de queimar o verniz, no ponto em que se demorar a chama. Os pontos de verniz, que foram enfumaçados em demasia, apresentam um negro fosco. O enfumaçamento da chapa tem duas finalidades: consolidar a camada da cera e tornar visível o traço praticado sobre a sua superfície, seja este produzido com o estilete ou com o transmissor. Uma chapa encerada com cera negra, verniz duro, pode ser conservada longo tempo. Quando se encera uma chapa pela segunda vez com a cera negra, deve-se ter o cuidado de cobrir completamente os traços, a fim de evitar que estes sofram um novo ataque de mordente. Neste caso, consegue-se uma correta cobertura, aplicando uma camada mais espessa de cera. Também se pode envernizar a chapa com um rolo ou um pincel, usando, neste último caso, um verniz líquido, do qual o Dureziez é excelente. (Fluido pour la gravure).

Os vernizes que se dividem em vernizes duros e líquidos, apresentam, mais ou menos, uma composição semelhante, variando de acordo com a finalidade de seu emprego. Para se envernizar uma chapa com o rolo, coloca-se esta sobre uma fonte de calor, a chapa do fogão, e depois de se ter posto sobre ela um pouco de verniz – seja esta cera negra ou cera branca – espalha-se e uniformiza-se a camada, usando de um rolo de couro ou de borracha. Para o bom êxito desta operação, é preciso que a chama esteja numa temperatura que permita segurá-la com a mão, quando se passa o rolo. Para isto, deve-se, no momento passar o rolo, conservá-la na parte mais fria da chapa do fogão. As demais operações se fazem como já foi explicado para o envernizamento com o tampão. O verniz líquido é aplicado com um pincel chato, no sentido do comprimento e da largura da chapa, que deve estar colocada sobre um plano horizontal. Também o verniz pode ser derramado sobre a superfície da chapa e, neste caso, o gravador deverá ter a habilidade de mover a chapa de forma a que o verniz se espalhe uniformemente antes que seque, e que acontece com rapidez. O verniz líquido não tem a resistência da cera negra, mas é muito útil para se fazerem correções. Aplicado sobre a cera negra, seca com relativa rapidez e presta-se, otimamente para o trabalho da ponta. Também é útil para as remorsuras. Este verniz não se enfumaça e se aplica a frio. Já que falamos em vernizes, é bom lembrar que o “vernis à recouvrir”, apesar de líquido, só se usa como verniz isolante, isto é, para proteger as partes que não devem ser atacadas pelo mordente. Ele não se presta ao trabalho da ponta.

Terminada a preparação da chapa, e quando esta estiver completamente fria, trata-se de transportar o desenho para a chapa. É um meio simples e prático intercalar entre o desenho feito em papel vegetal, e a chapa, um papel transmissor, branco, ou uma folha de papel fino, atintada de sanguina. Também se pode gravar diretamente sobre a chapa e, neste caso, evita-se a inversão do motivo que este meio acarreta, usando-se de um espelho. Quando se trabalha no atelier, os traços feitos sobre o metal apresentam um brilho que molestava a vista. Remove-se este inconveniente, colocando-se em frente da prancheta, junto da janela, um anteparo de papel transparente (vegetal), com uma pequena inclinação em relação à mesa. Procurei dar uma descrição minuciosa das operações que se fazem necessárias para se ter a chapa bem preparada. Agora, eu passo esta chapa para as mãos do artista e, com isso, não me atrevo a ditar normas, mas apenas chamar a atenção para certos cuidados que ele dever ter a fim de que todo o seu trabalho não desapareça na banheira do mordente. Como o valor de uma linha ou de um conjunto de linhas se obtém pela maior ou menor exposição ao mordente, conclui-se daí que uma gravura executada a ácido deve ser feita por tempos, isto é, por mersuras, remorsuras e coberturas. A melhor maneira será pois, a de morder a chapa por tempos, isto, gradativamente.

Para se obter uma trama, linhas cruzadas, pratica-se o cruzamento e a mersura por etapas: um banho para cada direção da trama. Exemplo: feitos os primeiros traços, dá-se digamos, a estes uma hora de mersura e depois retira-se a chapa do banho e gravam-se os segundos, cruzados sobre os primeiros; então, dá-se mais uma hora de mersura. Com este procedimento resulta que os primeiros traços terão duas horas de banho e os últimos, uma hora. Com isto, além de se evitar que a trama tenha um aspecto pesado, impede-se o perigo de “crevé” (fusão das linhas). Outro ponto importante é a distância de uma linha a outra. Seja qual for o grafismo adotado, é bom lembrar que os espaços são absolutamente necessários, não só porque representam o respiro da estampa, mas também porque obedecem às exigências da matéria. Também é bom recordar que o buril deve ser empunhado verticalmente e usado com uma pressão suficiente para romper completamente a película da cera. O cuidado do gravador reside em preparar o tracejado de tal modo a poder ir isolando sucessivamente as partes para, pouco a pouco, alcançarem, no ácido, a justa mensura. As partes da gravura suficientemente mordidas devem ser protegidas com verniz isolante “vernis à recouvrir”, enquanto que se continua a mersura para os traços mais intensos. Cada vez que se retira a chapa do banho, este deve enxugar-se antes de receber as coberturas de verniz. E só se põe a chapa novamente no banho, quando o verniz estiver completamente seco. Antes de se por a chapa no mordente, deve-se proteger as costas da mesma e as bordas, nas quais nunca se grava. Para isto, usa-se o verniz isolante ou um verniz a álcool. Sempre que se usa um verniz a pincel, imediatamente se lava o pincel com água-raz. Para se reenvernizar a chapa, a fim de continuar o trabalho, usa-se cera branca ou a própria cera negra que então não se enfumaça. Quando se enverniza uma chapa para a remersura, deve-se também limpá-la com branco de Espanha e álcool. Quando se verifica que a mersura de uma chapa de água forte é insuficiente, usa-se o “vernis à rouleau”. Terminada a gravura, remove-se a camada de verniz com água-raz. A chapa está, então, pronta para a impressão.”

Fontes:

CAMARGO, Iberê. A Gravura. Topal, São Paulo, 1975.
CAMARGO, Iberê. A Gravura. Porto Alegre, Sagra: DC Luzzatto, 1992.