Em
suas anotações de viagens de barco pelos rios da Amazônia, Diô Viana vem
captando paisagens e ambientes amazônicos. O artista desenha, pinta, coleta e registra em
seus bloquinhos, traços dos infinitos elementos naturais encontráveis na
região. As notas, que não são ilustrações, ele nomeia “diários visuais”. Os
esboços feitos e os materiais coletados são depois retrabalhados no ateliê, gerando
pinturas, gravuras e técnicas mistas – aqui expostas.
Todo
um bioma pulsa, em imagens e ritmos, nas obras que resultam das viagens.
O
artista reproduz a pulsação da vida do bioma amazônico em locais distantes como
o Rio de janeiro ou a França – onde também reside – movido por uma relação profunda,
de raiz, com a região. Diô nasceu e cresceu no estado do Pará, e é possível perceber
nas suas obras o respeito, a delicadeza e a intimidade com que trata os elementos que transforma em imagens,
e a desenvoltura com que relaciona o conjunto de signos e procedimentos que compõem
seu repertório.
DIÔ VIANA: "Sem título", pintura a óleo sobre tela, 2020.
As
obras não são representações, também não são puras abstrações. Situam-se num
lugar intermediário, flutuam entre abstração e figuração. Há preferência por
grafismos orgânicos. A pintura possui uma qualidade sensorial que favorece a
imersão. Em meio ao conjunto de pinturas de maiores dimensões, tem-se a sensação de ser tragada (o) pela força dos
elementos, pelas cores, volumes e movimentos, que aproximam até mesmo os sons e
aromas da floresta. Uma sensorialidade envolvente e sinestésica emerge dos azuis,
das combinações com vermelhos e tons de terra, ocres, dos verdes meio
submersos...
As
imagens se constroem por sobreposição de camadas, transparências e
concentrações matéricas – traços, linhas, pontilhados, manchas, pontos em forma
de gota, espaços vazios, acúmulos de tinta. O processo resulta numa espécie de
camouflage, que induz uma observação mais atenta, um olhar sutil, para
mergulhar na obra e decifrar quais forças, seres e entes naturais se encontram
presentes ali.
DIÔ VIANA: "Sem título", desenho sobre papel, 2019.
Observados
à distância, alguns trabalhos remetem a mapas meteorológicos, fotografias
aéreas de geografia dos continentes, imagens de satélite gravadas em vídeo do
movimento dos oceanos, massas de chuva, ventos, tornados, nuvens e outros
fenômenos aéreos da natureza. Já outras transmitem uma transparência aquática
na qual flutuam formas mutantes que lembram pedras no fundo do rio, ou sombras
de pedras que se projetam para o plano frontal.
Os
rebatimentos das imagens criam uma condição de movimento contínuo e circular, e
preenchem nossos sentidos com o eterno devir das águas onipresentes da região.
Na evocação, seja das gotículas na atmosfera, da chuva, seja do curso de um
rio, sente-se o mesmo ritmo.
Vislumbra-se
uma poética das águas, por entre formas que se esvaem.
DIÔ VIANA: "Sem título", pintura a óleo sobre tela, 2021.
É
notável o uso das cores e dos contrastes, por exemplo, entre o azul e o negro,
ou o relevo dos vermelhos-terra, que nos faz sentir o barro. Em outros momentos
sentimos as texturas, como se estivéssemos caminhando sobre folhas ou alisando
um pelo de animal...
O
negro carvão carrega o imaginário da abrasão. Impossível não associa-lo à
frequente matança da vida no nascedouro, empreendida por homens cuja humanidade
se demonstra improvável. Sina que coloca em risco um bioma frágil, populações
indígenas, ribeirinhos, coletores de frutos e pescadores que habitam e guardam
a floresta, espécies animais e vegetais, recursos hídricos e minerais, um
manancial de vida e conhecimento ainda não revelado. Sina que a todos nós
submete, enquanto habitantes do planeta.
A
presença do carvão, físico e simbólico, nos alerta para um futuro cada vez mais
presente. Nas terras calcinadas pelas queimadas e derrubadas das florestas, as
águas não mais fluirão livremente.
Fabiana Éboli Santos
Rio, março de 2022