O Álbum Souvenirs de Rio de Janeiro, de Jacob Steinmann
Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha (1922-2009),chefe do Depto de Iconografia da Biblioteca NacionalGrande
foi a atração exercida pelo Brasil nos artistas do século XIX. Atestam esse
interesse os inúmeros álbuns e livros de viagens ilustrados que fixam as
paisagens luminosas, os insólitos aspectos de uma sociedade em permanente
evolução e os costumes populares guardando marcantes reminiscências africanas.
Dentre
os muitos conjuntos que levaram à Europa o conhecimento do Brasil, destaca-se o
valioso álbum de gravuras a água-tinta intitulado Souvenirs de Rio de Janeiro, dessinés
d'aprés nature par J. Steinmann.
Debruçar-se
no passado, folhear estes preciosos conjuntos, evocar antigas paisagens hoje
transformadas pelo progresso, é não só prazer, mas também razão de estudo.
Assim, mister se faz atualizar as informações referentes a Johann Stein mann,
responsável pela edição de tão primoroso conjunto, e do artista que as gravou,
Friedrich Salathé. Poucas são as notícias sobre o litógrafo e desenhista suíço,
considerado o introdutor da litografia nos estabelecimentos oficiais do Rio de
Janeiro.O litógrafo Jacob Steinmann
Johann
Jacob Steinmann (Basel, 17 set. 1800 Basel, 20 jun. 1844), contratado pelo
Arquivo Militar, aqui chegou em outubro de 1825, acompanhado de mulher e filha
e desembarcou do bergantim Cecília, vindo da França. Ao se registrar na Polícia
deixou fixada uma descrição de sua pessoa: 24 anos, estatura baixa, cor branca,
cabelos castanhos para ruivos, pouca barba, rosto comprido e olhos pardos. Sua
vinda para o Brasil, conforme se depreende da documentação existente no arquivo
de sua cidade natal, Staatsarchiv Basel, foi resultado de entendimentos com o representante
do governo brasileiro em Paris, que o contratou para, no Rio de Janeiro,
iniciar a arte da litografia como "litógrafo do Imperador", isto é,
litógrafo oficial, com subordinação ao Arquivo e Academia Militar.
Acrescentaremos a sua biografia que Steinmann iniciou seus estudos em 1821,
entrando para o estabelecimento litográfico de Engelmann, em Mulhouse, Alsácia,
vizinho de seu torrão natal. Aperfeiçoa-se em seguida com Alois Senefelder, o
inventor da litografia, estabelecido em Paris, aonde vai encontrá-lo o
encarregado de negócios brasileiro. Trouxe ele os elementos materiais
imprescindíveis ao ensino da arte litográfica, cuja oficina funcionou na Rua da
Ajuda, tendo o Arquivo Militar, além do especializado mestre, mais seis
aprendizes sob sua orientação (Almanaque do Império do Brasil, 1829).SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Vista de N.S. da Glória et da Barra do Rio de Janeiro", vista nº7, desenho de Kretschmer, gravador por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão cinza escuro de época,
1835 com o raro relevo seco de J.S. O conjunto de 13 paisagens desta obra é
considerado como um dos mais raros e
preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Documentos
existentes no Arquivo Nacional registram que, logo após haver organizado a
oficina, montando máquinas e lecionando a arte litográfica a seus ajudantes,
Johann Steinmann pretendeu, além dos compromissos oficiais, encarregar-se de
encomendas particulares e comerciais, usando para tal a maquinaria de
propriedade do Estado. São de grande interesse tais papéis, de cuja leitura se
infere haver ele obtido uma autorização verbal do imperador Pedro I, para
exercer esses serviços extraordinários, não recebendo, porém, o necessário
apoio do comandante chefe da Academia Militar, Joaquim Norberto Xavier de Brito,
nem o veredictum do ministro seu superior.
O fato é
que, durante cinco anos, trabalhou litografando mapas e outros impressos para o
Arquivo Militar, impressora cartográfica oficial do Primeiro Império e, em
1830, ao terminar seu compromisso com o governo de Sua Majestade Imperial D.
Pedro I, estabeleceu oficina própria de cujas prensas se conhecem alguns mapas
e folhas volantes de costumes e tipos populares do Rio de Janeiro.SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Ilha das cobras", vista nº5, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Os
registros da época relacionam para sua oficina os seguintes endereços, publica
dos no Almanaque do Império do Brasil, editado por Seignot Plancher: 1829 (Beco
Ma nuel de Carvalho n° 2, proprietário J. Steinmann) e, em 1830 (Rua do
Ouvidor, nº 199). Pertencem à sua oficina litográfica as seguintes estampas de
tipos populares impressas no Rio de Janeiro (peças raríssimas, guardadas na
Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional):
1. João
Theodosio, Capitão Henrique Dias, por antonomásia parte", (CEHB, 17.851);2.
Buonaparte (a paisana), (CEHB, 17.852);3. O
filósofo do caes do Paço, (CEHB, 17.854);4. O
músico Policarpo, (CEHB, 17.855);5. Praia
Grande (doido), (CEHB, 17.856).
Conhecem-se
ainda vários mapas, alguns dos quais figuraram em obras editadas por Seignot
Plancher, e impressos na litografia do Arquivo Militar ou em sua oficina:
1.
Planta demonstrativa da medição da Imperial Fazenda de Santa Cruz, de duzida da
cópia em resumo do Tombo da mesma Imperial Fazenda. Pro cedido em tempo dos
Jesuítas, cujo resumo me foi presente pelo Ilmo. Sr. Desembargador José Paulo
de Figueiredo Nabuco de Araújo, escripto de seu próprio punho por cópia
conforme ao original feita e por mim assinada Engenheiro Cezar Cadolino.
Calculada pelo piloto Juliano de Sa Chaves. Rio de Janeiro, Lith. de Steinmann;2. Plan
de la Baie de Rio de Janeiro levé em 1826 et 1827 par M. Barral, lieutenante de
Vaisseau, embarqué sous les ordres de M. Ducamp de Rosamel contre amiral
Commandant de la Station Française de l'Amerique Meridio nale. Rio de Janeiro,
chez Seignot Plancher, Lith. de Steinmann, s. d. (1830);3.
Planta do Rio de Janeiro. E. de la Michellerie del. Rio de Janeiro, Lith. De Steinmann
e Cia, 1831;4.
Trecho da Fazenda de Santa Cruz assinaladas as testadas com terras vizinhas/Rio
de Janeiro, Lith. de Steinmann, s. d./ 1829/;5.
Planta do Rio de Janeiro. 1828. Lith. do Archivo Militar;6.
Planta hydrographica do Porto do Rio de Janeiro. Levantada pelo Capitão Tenente
Diogo Jorge de Brito e outros oficiais da Armada. Ano de 1810. Lith. do Archivo
Militar, 1827;7. Bahia
de Todos os Santos. Steinmann sc. Lith. do Archivo Militar;8. Mapa
da Província do Rio de Janeiro. Lith. de Steinmann, 1833. (In Ayres de Cazal. Corographia brasilica, 2 ed. tomo II);9.
Appendix a Colleção Chronologica Systematica da Legislação da Fazendano
Império Brazileiro, folha de rosto lith. por Steinmann.
Certamente
também foi litografada em sua oficina a estampa seguinte representando um
acontecimento político no Rio de Janeiro, por ocasião de uma das revoltas na
época da Regência:
10.
Entrada na Igreja de S. Francisco de Paula, do enterro do guarda municipal
Estevão de Almeida Chaves, morto no ataque à ilha das Cobras em 7 de outubro de
1831. Litho. por Eugene de la Michellerie (CEHB, 17.492), folha volante que
acompanhava a edição do Jornal do Commercio, editado por Seignot Plancher, para
quem Steinmann trabalhava.Em 1833,
a 12 de fevereiro, Steinmann embarca de volta à França, conforme as declarações
constantes do registro da Polícia.
Embora
considerados peças raríssimas dos primórdios da arte de gravar no Brasil, não
são, porém, os documentos acima relacionados os que dão a Johann Jacob
Steinmann a projeção que atualmente lhe concedem os colecionadores. E sim o seu
encantador álbum de vistas editado em Basel, na Suíça, depois de voltar à sua
terra natal, ao encerrar no Rio de Janeiro suas atividades como litógrafo -
hoje procurado e exibido como uma das joias preciosas de qualquer coleção de
estampas do Brasil.SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Moro do Castello & Praya d'Ajuda", vista nº10, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé.Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.Consta
esse conjunto, intitulado Souvenirs de Rio de Janeiro, de doze águas tintas
aquareladas, apresentadas em folhas separadas, montadas em papel espesso, cuja
moldura litografada apresenta, entre arabescos e motivos ornamentais de caráter
naturalista, pequenas cenas de costumes brasileiros entremeados numa profusão
minuciosa de folhagens e frutos tropicais, lembrando, pelo excesso de
ornamentação, influências da "chinoiserie" do século XVIII. A folha
de rosto repete, na cercadura, duas colunas de florões de plantas tropicais,
ladeando cenas típicas brasileiras, e ao centro ocorre o título e demais
dizeres: Souvenirs de Rio de Janeiro, dessinés d'aprés nature et publiés par J.
Steinmann. Varia a imprenssão de alguns exemplares, onde se pode ler ainda:
"a Bâle, chez editeur".
A data
dos mais antigos álbuns é fixada em 1835; conhecem-se outros, datados de 1836,
e ainda exemplares há em que o ano foi alterado para 1839, a fim de se fazer
crer numa edição mais atualizada. Quanto às estampas que compõem o conjunto
conhecem-se 13: pequenas vistas da cidade e arredores do Rio de Janeiro
(província), todas preparadas para figurar no álbum, que, entretanto, completo,
consta de 12 águas-tintas primorosamente aquareladas, sendo raríssimos os
exemplares monocromos.
Gravadas
pelo laborioso processo sobre o cobre por Friedrich Salathé, famoso artista
suíço, foram elas preparadas segundo desenhos de vários artistas que estiveram
no Brasil entre 1825 e 1833:
1.
Caminho dos Órgãos, desenho de Steinmann;2. Largo
do Paço, desenho de Victor Barat;3. Nova
Friburgo (Colônia Suíça no Morro Queimado), desenho de Steinmann;4.
Plantação de café, desenho de Steinmann;5. Ilha
das Cobras, desenho de Steinmann;6. St.
João de Carahy, a Praia Grande, desenho de Steinmann;7. Vista de N. S. da Glória e da Barra do Rio de Janeiro,
desenho de Kretschmer;8. Vista
do Sacco d'Alferes et de St. Christóvão, desenho de Steinmann;9. Vista
tomada de Santa Teresa, desenho de Kretschmer;10.
Morro do Castello e Praya da Ajuda, desenho de Steinmann;11.
Botafogo, desenho de Steinmann;12.
Igreja de S. Sebastião, desenho de Steinmann;13.
Fortaleza Sta. Cruz e Praya Vermelha (sic) desenho de Deburne.SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Plantação de café", vista nº4, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura emmetal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Figuram
em geral nos álbuns apenas 12 destas peças, sendo que as mais raras e difíceis
de encontrar nos conjuntos são as de número 12 e 13, que raramente ocorrem no
mesmo álbum.
Interessante
detalhe em relação ao endereço do editor é que ele ocorre na folha de rosto:
"publiés par J. Steinmann a trouver chez..." em branco em alguns
exemplares, enquanto que em outros se completa a indicação: "Deposé la
Direction Paris, chez Rittner et Goupil". As vinhetas trazem na margem
inferior direita: "A Bâle, chez Steinmann editeur".
Infere-se
das notícias biográficas do gravador suíço Friedrich Salathé, terem sido as
estampas preparadas em Paris. Ele nasceu em Birmingen, perto de Basel, a 11 de
janeiro de 1793, e faleceu em Paris, a 12 de maio de 1858. Foi aluno do
conhecido mestre Pieter Birmann e, tendo se associado a seu filho Samuel,
viajou para a Itália entre 1815 e 1821. Nos anos seguintes, 1821-1823, Salathé
trabalhou para a firma Falkeisen e Huber, estabelecida em sua cidade natal.
Transferiu-se em seguida para Paris, onde gravou panoramas e vistas,
trabalhando para casas especializadas no gênero, entre elas Rittner et Goupil.
Viveu em Paris até morrer.
De 1831
a 1842, a sociedade Rittner et Goupil achava-se estabelecida em Paris como
firma editora de estampas. Para ela trabalhava Friedrich Salathé. É fácil
acompanhar os entendimentos de Steinmann, então de volta do Brasil, com seu
compatriota e amigo e a firma especializada; 26 cartas existentes no
Staatsarchiv, Basel, testemunham as ligações de amizade e negócios que uniam os
dois suíços e os trabalhos preparatórios da gravação e impressão das belíssimas
águas-tintas.
Graças a
outros trabalhos que conhecemos, panoramas de cidades brasileiras, também
gravados por F. Salathé, podemos admitir serem as águas-tintas dos diversos álbuns
Souvenirs de Rio de Janeiro, aquareladas posteriormente por Steinmann, enquanto
outras o foram pelo célebre gravador suíço. Como é sabido, são raríssimos os
exemplares monocromos.SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "St. João de Carahy, a Praia Grande", vista nº6, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé.Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Conforme
os dizeres da folha de rosto, que variam, podemos acrescentar que a edição foi
em parte lançada pela casa editora francesa em Paris e parte entregue a
Steinmann, que a distribuiu e vendeu em Bâle, na Suíça.
Devido
ao grande interesse que o conjunto tem despertado no Brasil, o álbum Souvenirs
de Rio de Janeiro mereceu duas reedições fac-similares nas décadas de 1940 e de
1950, publicadas pela Livraria Martins Editora e pela Frank Arnau Gráfica.
Lança-se presentemente uma terceira edição em fac-simile, preparada pelos
editores de tantos livros sobre o Brasil, que vem atestar o alto conceito em
que é tido o álbum de Steinmann - não só pela beleza das estampas, como por ser
também um in dispensável documentário do Rio de Janeiro na primeira metade do
século dezenove. Ao programar para o ano de 1967 esta publicação, contribui a
Livraria Kosmos Editora, com elevado padrão de arte gráfica, para enriquecer a
iconografia carioca, na data em que se comemoram os quatrocentos anos da
transferência da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (foi fundada dois
anos antes) da várzea do Cara de Cão para o morro do Castelo.
1. Arquivo Nacional, Policia. Legitimações e passaportes, Codice 381, livro 2 fls. 14 verso.2. Ministério da Guerra. Arquivo Militar. Caixa 961-1, 1826.Fonte: Cunha, Lygia da Fonseca Fernandes. O Acervo Iconográfico da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2010.