Artistas
Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha (1922-2009),
chefe do Depto de Iconografia da Biblioteca Nacional
Grande foi a atração exercida pelo Brasil nos artistas do século XIX. Atestam esse interesse os inúmeros álbuns e livros de viagens ilustrados que fixam as paisagens luminosas, os insólitos aspectos de uma sociedade em permanente evolução e os costumes populares guardando marcantes reminiscências africanas.
Dentre os muitos conjuntos que levaram à Europa o conhecimento do Brasil, destaca-se o valioso álbum de gravuras a água-tinta intitulado Souvenirs de Rio de Janeiro, dessinés d'aprés nature par J. Steinmann.
Debruçar-se no passado, folhear estes preciosos conjuntos, evocar antigas paisagens hoje transformadas pelo progresso, é não só prazer, mas também razão de estudo. Assim, mister se faz atualizar as informações referentes a Johann Stein mann, responsável pela edição de tão primoroso conjunto, e do artista que as gravou, Friedrich Salathé. Poucas são as notícias sobre o litógrafo e desenhista suíço, considerado o introdutor da litografia nos estabelecimentos oficiais do Rio de Janeiro.
O litógrafo Jacob Steinmann
Johann Jacob Steinmann (Basel, 17 set. 1800 Basel, 20 jun. 1844), contratado pelo Arquivo Militar, aqui chegou em outubro de 1825, acompanhado de mulher e filha e desembarcou do bergantim Cecília, vindo da França. Ao se registrar na Polícia deixou fixada uma descrição de sua pessoa: 24 anos, estatura baixa, cor branca, cabelos castanhos para ruivos, pouca barba, rosto comprido e olhos pardos. Sua vinda para o Brasil, conforme se depreende da documentação existente no arquivo de sua cidade natal, Staatsarchiv Basel, foi resultado de entendimentos com o representante do governo brasileiro em Paris, que o contratou para, no Rio de Janeiro, iniciar a arte da litografia como "litógrafo do Imperador", isto é, litógrafo oficial, com subordinação ao Arquivo e Academia Militar. Acrescentaremos a sua biografia que Steinmann iniciou seus estudos em 1821, entrando para o estabelecimento litográfico de Engelmann, em Mulhouse, Alsácia, vizinho de seu torrão natal. Aperfeiçoa-se em seguida com Alois Senefelder, o inventor da litografia, estabelecido em Paris, aonde vai encontrá-lo o encarregado de negócios brasileiro. Trouxe ele os elementos materiais imprescindíveis ao ensino da arte litográfica, cuja oficina funcionou na Rua da Ajuda, tendo o Arquivo Militar, além do especializado mestre, mais seis aprendizes sob sua orientação (Almanaque do Império do Brasil, 1829).
SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Vista de N.S. da Glória et da Barra do Rio de Janeiro", vista nº7, desenho de Kretschmer, gravador por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão cinza escuro de época,
1835 com o raro relevo seco de J.S. O conjunto de 13 paisagens desta obra é
considerado como um dos mais raros e
preciosos álbuns de vistas do Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Documentos existentes no Arquivo Nacional registram que, logo após haver organizado a oficina, montando máquinas e lecionando a arte litográfica a seus ajudantes, Johann Steinmann pretendeu, além dos compromissos oficiais, encarregar-se de encomendas particulares e comerciais, usando para tal a maquinaria de propriedade do Estado. São de grande interesse tais papéis, de cuja leitura se infere haver ele obtido uma autorização verbal do imperador Pedro I, para exercer esses serviços extraordinários, não recebendo, porém, o necessário apoio do comandante chefe da Academia Militar, Joaquim Norberto Xavier de Brito, nem o veredictum do ministro seu superior.
O fato é que, durante cinco anos, trabalhou litografando mapas e outros impressos para o Arquivo Militar, impressora cartográfica oficial do Primeiro Império e, em 1830, ao terminar seu compromisso com o governo de Sua Majestade Imperial D. Pedro I, estabeleceu oficina própria de cujas prensas se conhecem alguns mapas e folhas volantes de costumes e tipos populares do Rio de Janeiro.
SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Ilha das cobras", vista nº5, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Os registros da época relacionam para sua oficina os seguintes endereços, publica dos no Almanaque do Império do Brasil, editado por Seignot Plancher: 1829 (Beco Ma nuel de Carvalho n° 2, proprietário J. Steinmann) e, em 1830 (Rua do Ouvidor, nº 199). Pertencem à sua oficina litográfica as seguintes estampas de tipos populares impressas no Rio de Janeiro (peças raríssimas, guardadas na Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional):
1. João
Theodosio, Capitão Henrique Dias, por antonomásia parte", (CEHB, 17.851);
2.
Buonaparte (a paisana), (CEHB, 17.852);
3. O
filósofo do caes do Paço, (CEHB, 17.854);
4. O
músico Policarpo, (CEHB, 17.855);
5. Praia
Grande (doido), (CEHB, 17.856).
Conhecem-se ainda vários mapas, alguns dos quais figuraram em obras editadas por Seignot Plancher, e impressos na litografia do Arquivo Militar ou em sua oficina:
1.
Planta demonstrativa da medição da Imperial Fazenda de Santa Cruz, de duzida da
cópia em resumo do Tombo da mesma Imperial Fazenda. Pro cedido em tempo dos
Jesuítas, cujo resumo me foi presente pelo Ilmo. Sr. Desembargador José Paulo
de Figueiredo Nabuco de Araújo, escripto de seu próprio punho por cópia
conforme ao original feita e por mim assinada Engenheiro Cezar Cadolino.
Calculada pelo piloto Juliano de Sa Chaves. Rio de Janeiro, Lith. de Steinmann;
2. Plan
de la Baie de Rio de Janeiro levé em 1826 et 1827 par M. Barral, lieutenante de
Vaisseau, embarqué sous les ordres de M. Ducamp de Rosamel contre amiral
Commandant de la Station Française de l'Amerique Meridio nale. Rio de Janeiro,
chez Seignot Plancher, Lith. de Steinmann, s. d. (1830);
3.
Planta do Rio de Janeiro. E. de la Michellerie del. Rio de Janeiro, Lith. De Steinmann
e Cia, 1831;
4.
Trecho da Fazenda de Santa Cruz assinaladas as testadas com terras vizinhas/Rio
de Janeiro, Lith. de Steinmann, s. d./ 1829/;
5.
Planta do Rio de Janeiro. 1828. Lith. do Archivo Militar;
6.
Planta hydrographica do Porto do Rio de Janeiro. Levantada pelo Capitão Tenente
Diogo Jorge de Brito e outros oficiais da Armada. Ano de 1810. Lith. do Archivo
Militar, 1827;
7. Bahia
de Todos os Santos. Steinmann sc. Lith. do Archivo Militar;
8. Mapa
da Província do Rio de Janeiro. Lith. de Steinmann, 1833. (In Ayres de Cazal. Corographia brasilica, 2 ed. tomo II);
9.
Appendix a Colleção Chronologica Systematica da Legislação da Fazenda no
Império Brazileiro, folha de rosto lith. por Steinmann.
Certamente também foi litografada em sua oficina a estampa seguinte representando um acontecimento político no Rio de Janeiro, por ocasião de uma das revoltas na época da Regência:
10. Entrada na Igreja de S. Francisco de Paula, do enterro do guarda municipal Estevão de Almeida Chaves, morto no ataque à ilha das Cobras em 7 de outubro de 1831. Litho. por Eugene de la Michellerie (CEHB, 17.492), folha volante que acompanhava a edição do Jornal do Commercio, editado por Seignot Plancher, para quem Steinmann trabalhava. Em 1833, a 12 de fevereiro, Steinmann embarca de volta à França, conforme as declarações constantes do registro da Polícia.
Embora considerados peças raríssimas dos primórdios da arte de gravar no Brasil, não são, porém, os documentos acima relacionados os que dão a Johann Jacob Steinmann a projeção que atualmente lhe concedem os colecionadores. E sim o seu encantador álbum de vistas editado em Basel, na Suíça, depois de voltar à sua terra natal, ao encerrar no Rio de Janeiro suas atividades como litógrafo - hoje procurado e exibido como uma das joias preciosas de qualquer coleção de estampas do Brasil.
SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Moro do Castello & Praya d'Ajuda", vista nº10, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Consta esse conjunto, intitulado Souvenirs de Rio de Janeiro, de doze águas tintas aquareladas, apresentadas em folhas separadas, montadas em papel espesso, cuja moldura litografada apresenta, entre arabescos e motivos ornamentais de caráter naturalista, pequenas cenas de costumes brasileiros entremeados numa profusão minuciosa de folhagens e frutos tropicais, lembrando, pelo excesso de ornamentação, influências da "chinoiserie" do século XVIII. A folha de rosto repete, na cercadura, duas colunas de florões de plantas tropicais, ladeando cenas típicas brasileiras, e ao centro ocorre o título e demais dizeres: Souvenirs de Rio de Janeiro, dessinés d'aprés nature et publiés par J. Steinmann. Varia a imprenssão de alguns exemplares, onde se pode ler ainda: "a Bâle, chez editeur".
A data dos mais antigos álbuns é fixada em 1835; conhecem-se outros, datados de 1836, e ainda exemplares há em que o ano foi alterado para 1839, a fim de se fazer crer numa edição mais atualizada. Quanto às estampas que compõem o conjunto conhecem-se 13: pequenas vistas da cidade e arredores do Rio de Janeiro (província), todas preparadas para figurar no álbum, que, entretanto, completo, consta de 12 águas-tintas primorosamente aquareladas, sendo raríssimos os exemplares monocromos.
Gravadas pelo laborioso processo sobre o cobre por Friedrich Salathé, famoso artista suíço, foram elas preparadas segundo desenhos de vários artistas que estiveram no Brasil entre 1825 e 1833:
1.
Caminho dos Órgãos, desenho de Steinmann;
2. Largo
do Paço, desenho de Victor Barat;
3. Nova
Friburgo (Colônia Suíça no Morro Queimado), desenho de Steinmann;
4.
Plantação de café, desenho de Steinmann;
5. Ilha
das Cobras, desenho de Steinmann;
6. St.
João de Carahy, a Praia Grande, desenho de Steinmann ;
7. Vista de N. S. da Glória e da Barra do Rio de Janeiro,
desenho de Kretschmer;
8. Vista
do Sacco d'Alferes et de St. Christóvão, desenho de Steinmann;
9. Vista
tomada de Santa Teresa, desenho de Kretschmer;
10.
Morro do Castello e Praya da Ajuda, desenho de Steinmann;
11.
Botafogo, desenho de Steinmann;
12.
Igreja de S. Sebastião, desenho de Steinmann;
13.
Fortaleza Sta. Cruz e Praya Vermelha (sic) desenho de Deburne.
SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "Plantação de café", vista nº4, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Figuram em geral nos álbuns apenas 12 destas peças, sendo que as mais raras e difíceis de encontrar nos conjuntos são as de número 12 e 13, que raramente ocorrem no mesmo álbum.
Interessante detalhe em relação ao endereço do editor é que ele ocorre na folha de rosto: "publiés par J. Steinmann a trouver chez..." em branco em alguns exemplares, enquanto que em outros se completa a indicação: "Deposé la Direction Paris, chez Rittner et Goupil". As vinhetas trazem na margem inferior direita: "A Bâle, chez Steinmann editeur".
Infere-se das notícias biográficas do gravador suíço Friedrich Salathé, terem sido as estampas preparadas em Paris. Ele nasceu em Birmingen, perto de Basel, a 11 de janeiro de 1793, e faleceu em Paris, a 12 de maio de 1858. Foi aluno do conhecido mestre Pieter Birmann e, tendo se associado a seu filho Samuel, viajou para a Itália entre 1815 e 1821. Nos anos seguintes, 1821-1823, Salathé trabalhou para a firma Falkeisen e Huber, estabelecida em sua cidade natal. Transferiu-se em seguida para Paris, onde gravou panoramas e vistas, trabalhando para casas especializadas no gênero, entre elas Rittner et Goupil. Viveu em Paris até morrer.
De 1831 a 1842, a sociedade Rittner et Goupil achava-se estabelecida em Paris como firma editora de estampas. Para ela trabalhava Friedrich Salathé. É fácil acompanhar os entendimentos de Steinmann, então de volta do Brasil, com seu compatriota e amigo e a firma especializada; 26 cartas existentes no Staatsarchiv, Basel, testemunham as ligações de amizade e negócios que uniam os dois suíços e os trabalhos preparatórios da gravação e impressão das belíssimas águas-tintas.
Graças a outros trabalhos que conhecemos, panoramas de cidades brasileiras, também gravados por F. Salathé, podemos admitir serem as águas-tintas dos diversos álbuns Souvenirs de Rio de Janeiro, aquareladas posteriormente por Steinmann, enquanto outras o foram pelo célebre gravador suíço. Como é sabido, são raríssimos os exemplares monocromos.
SOUVENIRS DO RIO DE JANEIRO: "St. João de Carahy, a Praia Grande", vista nº6, desenho de Jacob Steinmann, gravado por Frédéric Salathé. Gravura em metal, água-tinta, aquarelada à mão e fixada sobre cartão branco de época,
1835. O conjunto de 13 paisagens desta obra é considerado como um dos mais raros e preciosos álbuns de vistas do
Rio de Janeiro impresso no sec. XIX.
Conforme os dizeres da folha de rosto, que variam, podemos acrescentar que a edição foi em parte lançada pela casa editora francesa em Paris e parte entregue a Steinmann, que a distribuiu e vendeu em Bâle, na Suíça.
Devido ao grande interesse que o conjunto tem despertado no Brasil, o álbum Souvenirs de Rio de Janeiro mereceu duas reedições fac-similares nas décadas de 1940 e de 1950, publicadas pela Livraria Martins Editora e pela Frank Arnau Gráfica. Lança-se presentemente uma terceira edição em fac-simile, preparada pelos editores de tantos livros sobre o Brasil, que vem atestar o alto conceito em que é tido o álbum de Steinmann - não só pela beleza das estampas, como por ser também um in dispensável documentário do Rio de Janeiro na primeira metade do século dezenove. Ao programar para o ano de 1967 esta publicação, contribui a Livraria Kosmos Editora, com elevado padrão de arte gráfica, para enriquecer a iconografia carioca, na data em que se comemoram os quatrocentos anos da transferência da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (foi fundada dois anos antes) da várzea do Cara de Cão para o morro do Castelo.
1. Arquivo Nacional, Policia. Legitimações e passaportes, Codice 381, livro
2 fls. 14 verso.
2. Ministério da Guerra. Arquivo Militar. Caixa 961-1, 1826.
Fonte: Cunha, Lygia da Fonseca Fernandes. O Acervo Iconográfico da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2010.
Há
alguns meses atrás, ao organizar as gravuras produzidas recentemente, percebi
que anjos e penas haviam tomado o primeiro plano da minha imaginação. Essa
constatação despertou minha curiosidade e, procurando o início desse processo -
o como, onde e quando aquilo havia
começado, identifiquei Um anjo para Vitor,
gravura
que fiz para meu filho caçula pouco depois que ele nasceu. A imagem vem da
ideia comum de que cada ser humano tem seu anjo guardião. Então imaginei que, para
proteger um bebê de colo, nada melhor que um outro anjo-menino de cabelos
encaracolados e carinha de sapeca, apenas contemplando de mãos postas.
Patricia Pedrosa, gravadora contemporânea
Tempos depois, quando
concorria a uma vaga para mestrado, me confundi com o horário e cheguei muito
cedo no dia da prova oral. Então fui visitar meu Mestre Kazuo Iha, professor de
litografia da EBA¹, que me ofereceu
gentilmente uma pedra para desenhar para que o tempo de espera passasse mais
rápido. Nesse dia gravei Um anjo para
Mestre Antonio², motivada pelos estudos sobre
o Colonial e o Barroco Brasileiro retomados para o concurso. Depois veio a
litografia Asas de Menino, novamente
inspirado em Vitor. Na sequência, a xilogravura “O Músico de Ataíde”³ e a litografia "A sombra", que registra o lado escuro de cada ser no
sentido psicanalítico, como arquétipo, que nos lembra de que mesmo enquanto
somos anjos, temos nosso lado sombrio.
Até então não havia
percebido que os anjos tinham se tornado um tema recorrente, que dialogava com
o Barroco Brasileiro, mas que o ultrapassava. A arte barroca no Brasil tem o
emblema do trânsito entre a primitividade dos indígenas e a modernidade de uma
nação que viria a ser, em estado de formação. A figura do anjo chega ao Brasil
neste momento mas, como figuração ligada à espiritualidade humana, sobrevive a
esse tempo e chega a nós. Me agrada esta figura intermediária entre o homem e o
divino, muito presente na arte colonial e que alcança a contemporaneidade.
Junto com o anjo, a pena foi tomando lugar no meu pensamento criativo e se tornou
um elemento significativo (Poesia Alada).
Simples e bela, símbolo de leveza e, no meu entender, também de desprendimento,
que me remete a algo de que se despoja quando substituído por outro novo. Penso
que a pena seja para o anjo, o mesmo que a pétala é para a flor.
PATRICIA PEDROSA: "Asas de menino", litografia colorida de 2015/2017.
A partir da consciência da presença dos anjos nessa fase do meu trabalho, esta série passou a tomar corpo. O trabalho mais recente é Fantasia Barroca, uma xilogravura colorida de 1,30 x 0,60 cm na qual uma anjo-guardião abre suas asas potentes sobre 4 anjos-meninos. Três desses anjinhos são releituras livres que realizei a partir de obras dos mestres do barroco brasileiro: Mestre Valentim (4), Aleijadinho e Mestre Ataíde. Da direita para a esquerda temos o anjo de Mestre Ataíde (Anjo 3), em seguida o anjo do Mestre Antônio/Aleijadinho (Anjo 2), depois o do Mestre Valentim (Anjo 1) e finalmente o meu anjo, o Anjo 0. Com o rosto em branco, como daqueles painéis vazados em parques de diversão para que encaixemos o rosto para fotos, o Anjo 0 é o lugar comum, pode ser cada um de nós. Nesta gravura, recortei a matriz para as figuras dos anjos-meninos, produzindo sub-matrizes para que recebessem cores na mesma entrada que a matriz principal, e para que fossem intercambiáveis. As técnicas da gravura são muito antigas, sendo a xilogravura a mais antiga delas, entretanto, continua sendo uma linguagem em constante experimentação e renovação. A madeira utilizada foi o fundo do berço do Vitor – um gravador não consegue descartar nenhuma madeira assim tão fácil! Apesar da escolha ter sido apenas em função do tamanho da chapa, sem um objetivo conceitual inicial, ao final deste texto, me dei conta de que até a matriz teve significado pertinente. Faço relações entre o berço e a matriz: o berço que acolhe a criança/ a matriz que acolhe a imagem; do berço sai a criança para seu crescimento/da matriz sai a imagem para a impressão; do fundo do berço-matriz sai a criança-anjo carregando consigo toda a potencialidade do vir a ser e das infinitas rotas de vôo possíveis /a madeira-matriz é o berço de todas as imagens que o artista queira criar. Quando lidamos com anjos, nada é por acaso.
Patricia Pedrosa
Petrópolis, 03 de novembro de 2020.
1-Escola de Belas Artes da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2-Antônio Francisco Lisboa, escultor e arquiteto, mais conhecido como o
Aleijadinho (Ouro Preto, c. 1730 – Ouro Preto, 1814).
3-Manuel da Costa Ataíde, pintor, conhecido como Mestre Ataíde (Mariana,
1762-1830).
4-Valentim da Fonseca e
Silva, escultor, mais conhecido como Mestre Valentim (Serro, Minas Gerais, c.
1745 – Rio de Janeiro, 1813).
*Patricia Pedrosa é artista gravadora contemporânea, Professora de gravura na
Escola de Belas Artes da UFRJ, doutoranda em Artes Visuais e autora dos livros “Maria
Bonomi com a gravura: do meio como fim ao meio como princípio” e “Oficina de
litografia”.
Em
suas anotações de viagens de barco pelos rios da Amazônia, Diô Viana vem
captando paisagens e ambientes amazônicos. O artista desenha, pinta, coleta e registra em
seus bloquinhos, traços dos infinitos elementos naturais encontráveis na
região. As notas, que não são ilustrações, ele nomeia “diários visuais”. Os
esboços feitos e os materiais coletados são depois retrabalhados no ateliê, gerando
pinturas, gravuras e técnicas mistas – aqui expostas.
Todo
um bioma pulsa, em imagens e ritmos, nas obras que resultam das viagens.
O
artista reproduz a pulsação da vida do bioma amazônico em locais distantes como
o Rio de janeiro ou a França – onde também reside – movido por uma relação profunda,
de raiz, com a região. Diô nasceu e cresceu no estado do Pará, e é possível perceber
nas suas obras o respeito, a delicadeza e a intimidade com que trata os elementos que transforma em imagens,
e a desenvoltura com que relaciona o conjunto de signos e procedimentos que compõem
seu repertório.
DIÔ VIANA: "Sem título", pintura a óleo sobre tela, 2020.
As
obras não são representações, também não são puras abstrações. Situam-se num
lugar intermediário, flutuam entre abstração e figuração. Há preferência por
grafismos orgânicos. A pintura possui uma qualidade sensorial que favorece a
imersão. Em meio ao conjunto de pinturas de maiores dimensões, tem-se a sensação de ser tragada (o) pela força dos
elementos, pelas cores, volumes e movimentos, que aproximam até mesmo os sons e
aromas da floresta. Uma sensorialidade envolvente e sinestésica emerge dos azuis,
das combinações com vermelhos e tons de terra, ocres, dos verdes meio
submersos...
As
imagens se constroem por sobreposição de camadas, transparências e
concentrações matéricas – traços, linhas, pontilhados, manchas, pontos em forma
de gota, espaços vazios, acúmulos de tinta. O processo resulta numa espécie de
camouflage, que induz uma observação mais atenta, um olhar sutil, para
mergulhar na obra e decifrar quais forças, seres e entes naturais se encontram
presentes ali.
DIÔ VIANA: "Sem título", desenho sobre papel, 2019.
Observados
à distância, alguns trabalhos remetem a mapas meteorológicos, fotografias
aéreas de geografia dos continentes, imagens de satélite gravadas em vídeo do
movimento dos oceanos, massas de chuva, ventos, tornados, nuvens e outros
fenômenos aéreos da natureza. Já outras transmitem uma transparência aquática
na qual flutuam formas mutantes que lembram pedras no fundo do rio, ou sombras
de pedras que se projetam para o plano frontal.
Os
rebatimentos das imagens criam uma condição de movimento contínuo e circular, e
preenchem nossos sentidos com o eterno devir das águas onipresentes da região.
Na evocação, seja das gotículas na atmosfera, da chuva, seja do curso de um
rio, sente-se o mesmo ritmo.
Vislumbra-se
uma poética das águas, por entre formas que se esvaem.
DIÔ VIANA: "Sem título", pintura a óleo sobre tela, 2021.
É
notável o uso das cores e dos contrastes, por exemplo, entre o azul e o negro,
ou o relevo dos vermelhos-terra, que nos faz sentir o barro. Em outros momentos
sentimos as texturas, como se estivéssemos caminhando sobre folhas ou alisando
um pelo de animal...
O
negro carvão carrega o imaginário da abrasão. Impossível não associa-lo à
frequente matança da vida no nascedouro, empreendida por homens cuja humanidade
se demonstra improvável. Sina que coloca em risco um bioma frágil, populações
indígenas, ribeirinhos, coletores de frutos e pescadores que habitam e guardam
a floresta, espécies animais e vegetais, recursos hídricos e minerais, um
manancial de vida e conhecimento ainda não revelado. Sina que a todos nós
submete, enquanto habitantes do planeta.
A
presença do carvão, físico e simbólico, nos alerta para um futuro cada vez mais
presente. Nas terras calcinadas pelas queimadas e derrubadas das florestas, as
águas não mais fluirão livremente.
Fabiana Éboli Santos
Rio, março de 2022
Em 1981, o BANERJ, Banco do Estado do Rio de Janeiro publicou um importante álbum artístico com texto do pesquisador, intelectual e historiador da arte Clarival do Prado Valladares (1918-1983), sobre a pintora aquarelista Anna Vasco, que viveu na cidade do Rio de Janeiro. Seu talento e sua obra é um importante testemunho deste gênero de pintura que ainda carece de muitos estudos por parte dos historiadores da arte.
Clarival do Prado Valladares (1918-1983)
Sobre as aquarelas de ANNA VASCO
É tradição do BANERJ-Banco do Estado do Rio de Janeiro S. A. enriquecer, sempre que for possível, a sua pinacoteca com assuntos atinentes à paisagem fluminense e carioca. Em 1965, data em que se comemorava o tetracentenário da cidade de Estácio de Sá, Emiliano Di Cavalcanti fez para o saguão da sede do BANERJ, naquela época BEG - Banco do Estado da Guanabara S.A. - o monumental políptico em óleo sobre tela, de quatro metros de altura por onze de largura, criado em quatro painéis alusivos à história e alma do Rio de Janeiro.
ANNA VASCO: "Praia de Botafogo", aquarela sobre papel, 1901. Coleção FUNARJ.
Para as paredes da sobreloja, Emeric pintou a série "Crônica do Rio de Janeiro", em seis grandes telas no total de quase dezoito metros lineares de base. Para perenizar aquela data, através da pintura, não consta que se tenha feito nada comparável, por nenhuma outra entidade. Ao mesmo tempo, José Paulo Moreira da Fonseca, então da assessoria jurídica do BEG, foi liberado para pesquisar, selecionar e adquirir grande parte da atual pinacoteca BANERJ, hoje com trabalhos de Portinari, Guignard, Djanira, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Bonadei, Goeldi, Santa Rosa, Sigaud, Visconti, Cavalleiro, Lucio Cardoso. Pancetti, para lembrar alguns nomes brasileiros mais conhecidos de entre os mortos. Dos estrangeiros, ativos no Rio de Janeiro, a Pinacoteca BANERJ inclui, em seu acervo verdadeiramente museológico, as cromolitrografias de Victor Frond, desenvolvidas na França pelos melhores gravadores, e a desafiante vista de todo o Rio, "a vôo de pássaro", impressa cerca de 1872, de Emil Bauch.
ANNA VASCO: "Paineiras", aquarela sobre papel, 1898. Coleção FUNARJ.
Entretanto, uma certa tela, de paisagem marinha vista de
Niterói, do Saco de São Francisco, tomando os mortos graníticos até a Fortaleza
de Santa Cruz, assinada por Benno Treidler (Berlim, Al. 1857-Rio 1931) -
desperta grande atenção nesta exposição que o Banco do Estado do Rio de Janeiro
organizou para comemorar o centenário de nascimento da aquarelista ANNA VASCO,
discipula do paisagista alemão. Não há como desconhecer a presença estilística
do mestre sobre a aluna. Treidler pintou em tela, madeira e em aquarela,
sobretudo por ter sido formado pela Academia de Belas Artes de Berlim, aluno de
Ferdinand Lechner e de Cristian Wilberg. Nascido em Berlim em 1867, veio para o
Brasil em 1885. Foi professor, para alunos particulares, em pintura a aquarela
e sua habilitação se fazia em todos os gêneros, fosse paisagem ou retratos de “figuras
da sociedade carioca". Faleceu, no Rio, em 1931. Sete anos antes da morte
de VASCO. O excelente preambulo biográfico sobre sua ilustre genitora escrito
por Vasco Mariz, consagrado autor de numerosos livros de história e crítica da
música brasileira, dá-nos completa informação da origem, formação, período de
produção artística, premiações nos Salões Nacionais da Escola de Belas Artes e,
tanto quanto lhe foi possível, a coleta da obra remanescente.
Há cerca de oito anos tive conhecimento de alguns quadros de ANNA VASCO pertencente à família Vasco Mariz e, por interesse de documentação de aspectos do Rio de Janeiro do fim do século passado e começo do presente, fotografei seis deles. Sempre me impressionaram como pintura ágil, colorismo vivo e inteligente, correta perspectiva panorâmica, bem como as de ambiente interior, com figura. Enfim, verdadeira pintura em aquarela. Examinando o itinerário percorrido ao tempo de locais pouco habitados, especialmente as vistas tomadas do alto do morro do Leme, Cantagalo, a vasta praia de Copacabana quando era como a natureza a fez, paisagem da Lagoa Rodrigo de Freitas, das Paineiras, de Botafogo e de um bucólico moinho d'água encravado na mata de Petrópolis, percebe-se o artista que vai em busca do tema, enfrentando distâncias e clima. ANNA VASCO percorre a orla praieira do Rio antigo, descobre vistas entre mar e montanhas, entende-se com a mutação de folhagens outonais.
ANNA VASCO: "Praia de Botafogo perto do Morro da Viúva", aquarela sobre papel, 1901. Coleção FUNARJ.
O gênero aquarela não levaria ANNA VASCO aos maiores prêmios praticamente exclusivos da pintura de cavalete sobre tela e, na maior parte, trabalhados em ateliê até mesmo na feitura de paisagens. ANNA VASCO poderia, por isso, ser considerada uma pintora de plein air, valendo-se do seu meio de produção - a aquarela - para fixar a natureza em seu aspecto e cores fugazes. Pouco importa a sua limitada produção. Mais importa o nível, a qualidade e o significado que atingiu. Por tais motivos Laudelino Freire considerou-a com acatamento, a ponto de reproduzir no seu livro, hoje clássico na história da pintura brasileira, cerca de seis das suas aquarelas. A iniciativa desta publicação, patrocinada pelo Banco do Estado do Rio de Janeiro, traduz o interesse já tradicional do BANERJ em enriquecer seu acervo com assuntos e aspectos, históricos e atuais, do Rio de Janeiro.
ANNA
VASCO (1881-1938)
Anna da Cunha Vasco era filha do casal Anna e José Maria da Cunha Vasco. Tiveram quatro filhos: Maria, Anna, José e Adélia, todos cariocas. Anna era conhecida por seus familiares e amigos como Anninha e assim algumas vezes assinou suas aquarelas. As duas moças tiveram decididos pendores artisticos: tanto Maria quanto Anna estudaram pintura com seriedade e Anna chegou a ser também uma boa pianista.
ANNA VASCO: "Retrato de Adélia Cunha Vasco", aquarela sobre papel, 1901. Coleção FUNARJ.
O ambiente familiar era propicio para a arte, pois José Maria da Cunha Vasco era um próspero homem de negócios, chegando a presidente da Companhia Confiança Industrial, que possuía grande fábrica de tecidos no início do século. No entanto, ele era mais conhecido por Vasco apenas, nos meios intelectuais e artísticos do Rio de então. Possuía uma biblioteca considerável, com numerosos livros em vários idiomas, a qual infelizmente se dispersou após a morte de sua esposa, em 1936. O velho Cunha Vasco era alto e careca, de esmerada educação e amigo de vários artistas ilustres, daqui e d'além mar. Os irmãos Bernardelli, Bordalo Pinheiro, Malhoa, Helios lhe dedicaram obras, também dispersas. Um notável retrato de Cunha Vasco, em estilo "caravaggiesco", foi vendido inexplicavelmente pelo genro, em 1939, após a morte de Anna Vasco. O lar dos Cunha Vasco em Botafogo e sua casa de veraneio nas Paineiras eram frequentados com assiduidade por artistas e o industrial agia como verdadeiro mecenas. O mobiliário da residência de Anna Vasco, na Rua General Dionísio nº 24, em Botafogo, abrangia peças de alto valor, também vendidas após a sua morte. Destarte, os filhos da família Cunha Vasco cresceram em ambiente luxuoso e cercados de obras de arte, fato que certamente estimulou as jovens Maria e Anna a iniciarem seus estudos artísticos. Seu mestre de pintura foi Benno Treidler, o bem conhecido pintor alemão radicado no Brasil e que deixou obra, inclusive no acervo do BANERJ. A aquarela foi o meio de expressão artística que mais as atraiu, possivelmente por sugestão médica ou do próprio professor. Com os antecedentes de Adélia, devia ser evitada a convivência com a tinta a óleo. São conhecidas obras de Anna Vasco apenas de pequena faixa de tempo, ou seja, de pouco mais de dez anos: 1897 a 1908. Nascida a 25 de março de 1881, Anna já demonstrava razoável maestria da aquarela aos 16 anos de idade e, aos vinte anos, é indiscutível seu domínio do estilo, ao lado de precoce maturidade. Os anais da Escola de Belas Artes testemunham a concessão de três prêmios quase sucessivos: 1905, 1907 e 1908 - duas medalhas de prata e uma de bronze. Supõe-se que por volta de 1909 interrompeu sua atividade, pois teve de dar assistência constante a sua irmã caçula Adélia, gravemente doente. Em 1911 seguia para a Suíça com a enferma, e também Maria, instalando-se em sanatório em Leysin, perto de Lausanne. Em 1914 lá faleceu Adélia. Sua irmã Maria casara-se com um médico que atendia a enferma, Dr. Joseph Mamie. No início da Grande Guerra, regressaram todos ao Brasil, inclusive o médico suíço. Esse triste intermédio parece haver esfriado o interesse de Anna Vasco pela pintura, embora se conheçam algumas aquarelas com paisagens de neve, datadas de Leysin. Pouco depois, o velho Cunha Vasco caiu também seriamente doente e veio a falecer a 21 de junho de 1918. Dois anos depois Anna casou-se com Joaquim José Domingues Mariz, português amigo de seu pai, tendo dele um único filho, Vasco Mariz.
ANNA VASCO: "Vista do Morro do Cantagalo tomada do Leme", aquarela sobre papel, 1905. Coleção FUNARJ.
Infelizmente, seu marido não tinha pendores artísticos e portanto não deve tê-la estimulado a pintar. Conservou porem quase até o fim da vida o gosto pela música e pelo piano, que soube incutir em seu filho. Vasco Mariz, diplomata de carreira, for cantor de câmara e é autor de numerosos livros sobre música brasileira. Essa mesma tradição artística da família Cunha Vasco ficou também registrada em um dos filhos de sua irmã Maria, que aliás passou o resto de seus dias na Suíça. O único de seus filhos nascido no Rio de Janeiro, Paul Mamie, é um bom pintor e gravador, membro da Escola de Paris, onde habita, há meio século. Foi aluno de Léger e André Lhote e vive normalmente de sua arte (óleos e gravuras). Em 1978, fez uma exposição individual em Tel Aviv, a convite do primo Vasco, atual embaixador do Brasil em Israel. Resta acrescentar que uma das netas de Anna Vasco, também chamada Anna (Anna Thereza Mariz Gudiño), é restauradora de arte, especializada no período colonial, havendo feito cursos em Quito, Equador, onde seu pai representou o Brasil, e faz parte da equipe de restauração do Museu Histórico Nacional.
ANNA VASCO: "Vista de Copacabana", aquarela sobre papel, 1907. Coleção FUNARJ.
Anna Vasco voltou à Europa mais duas vezes e passou o resto
de seus dias sempre em Botafogo, na Rua General Dionísio nº 24, velha
residência da família, hoje derrubada. Faleceu a 1º de novembro de 1938, com 57
anos de idade, após longa doença hepática. Era uma mulher alta e esguia, com
tez muito branca, cabelos e olhos castanhos, expressão suave. Sua irmã Maria
era pequenina saindo à mãe, mas Anna Vasco tinha a constituição do pai, físico
que transmitiu também a seu único filho e a sua neta Stella Mariz, médica
cirurgiã. Anna Vasco era uma figura doce, de temperamento reservado e frágil
saúde. Lia muito e manejava o francês com fluência. Embora seu marido fosse
homem de boa instrução (havia sido seminarista em Portugal), não possuía
sensibilidade artística. Cultivava apenas a oratória e foi um dos líderes da
comunidade portuguesa no Rio de Janeiro até 1969, quando faleceu no Rio. Foi
presidente da Sociedade de Beneficência Portuguesa desta capital e um dos
diretores do Jockey Clube Brasileiro.
No período em que desenvolveu seu trabalho, Anna Vasco fazia frequentes excursões com a irmã e uma governanta ao Leme e a Copacabana, cujo desenvolvimento urbano era ainda insignificante. Focalizou também a artista vários ângulos da Praia de Botafogo e da Lagoa Rodrigo de Freitas, além de aspectos das Paineiras e Petrópolis, locais de veraneio. Retratos da irmã Adélia e de uma empregada da família atestam outro aspecto de sua mestria na aquarela. Embora não existisse na época, no Rio de Janeiro, o trabalho pormenorizado dos críticos de arte, tanto Anna Vasco quanto Maria Vasco foram citadas com alguma frequência. Laudelino Freire em sua "História da Arte no Brasil", 4º volume, 1916, não só menciona e ressalta os trabalhos de Anna Vasco, mas também reproduz diversas obras em preto-e-branco, que na presente publicação fazemos a cores. Na época foi feita uma edição de cartões-postais do Rio com as aquarelas de Anna Vasco. Dela restam relativamente poucas obras, uma vintena apenas, embora certamente outras ainda possam ser identificadas em consequência desta publicação, que comemora o seu centenário (1881-1981).