DIÔ VIANA em Margem Norte

4 de Abril de 2022
Diô Viana e sua exposição no Paço Imperial, Rio de Janeiro de 05 de abril a 26 de junho de 2022.

Em suas anotações de viagens de barco pelos rios da Amazônia, Diô Viana vem captando paisagens e ambientes amazônicos.  O artista desenha, pinta, coleta e registra em seus bloquinhos, traços dos infinitos elementos naturais encontráveis na região. As notas, que não são ilustrações, ele nomeia “diários visuais”. Os esboços feitos e os materiais coletados são depois retrabalhados no ateliê, gerando pinturas, gravuras e técnicas mistas – aqui expostas.

Todo um bioma pulsa, em imagens e ritmos, nas obras que resultam das viagens.

O artista reproduz a pulsação da vida do bioma amazônico em locais distantes como o Rio de janeiro ou a França – onde também reside – movido por uma relação profunda, de raiz, com a região. Diô nasceu e cresceu no estado do Pará, e é possível perceber nas suas obras o respeito, a delicadeza e a intimidade com que  trata os elementos que transforma em imagens, e a desenvoltura com que relaciona o conjunto de signos e procedimentos que compõem seu repertório.


DIÔ VIANA: "Sem título", pintura a óleo sobre tela, 2020.

As obras não são representações, também não são puras abstrações. Situam-se num lugar intermediário, flutuam entre abstração e figuração. Há preferência por grafismos orgânicos. A pintura possui uma qualidade sensorial que favorece a imersão. Em meio ao conjunto de pinturas de maiores dimensões, tem-se  a sensação de ser tragada (o) pela força dos elementos, pelas cores, volumes e movimentos, que aproximam até mesmo os sons e aromas da floresta. Uma sensorialidade envolvente e sinestésica emerge dos azuis, das combinações com vermelhos e tons de terra, ocres, dos verdes meio submersos...

As imagens se constroem por sobreposição de camadas, transparências e concentrações matéricas – traços, linhas, pontilhados, manchas, pontos em forma de gota, espaços vazios, acúmulos de tinta. O processo resulta numa espécie de camouflage, que induz uma observação mais atenta, um olhar sutil, para mergulhar na obra e decifrar quais forças, seres e entes naturais se encontram presentes ali.


DIÔ VIANA: "Sem título", desenho sobre papel, 2019.

Observados à distância, alguns trabalhos remetem a mapas meteorológicos, fotografias aéreas de geografia dos continentes, imagens de satélite gravadas em vídeo do movimento dos oceanos, massas de chuva, ventos, tornados, nuvens e outros fenômenos aéreos da natureza. Já outras transmitem uma transparência aquática na qual flutuam formas mutantes que lembram pedras no fundo do rio, ou sombras de pedras que se projetam para o plano frontal.

Os rebatimentos das imagens criam uma condição de movimento contínuo e circular, e preenchem nossos sentidos com o eterno devir das águas onipresentes da região. Na evocação, seja das gotículas na atmosfera, da chuva, seja do curso de um rio, sente-se o mesmo ritmo.

Vislumbra-se uma poética das águas, por entre formas que se esvaem.


DIÔ VIANA: "Sem título", pintura a óleo sobre tela, 2021.

É notável o uso das cores e dos contrastes, por exemplo, entre o azul e o negro, ou o relevo dos vermelhos-terra, que nos faz sentir o barro. Em outros momentos sentimos as texturas, como se estivéssemos caminhando sobre folhas ou alisando um pelo de animal...

O negro carvão carrega o imaginário da abrasão. Impossível não associa-lo à frequente matança da vida no nascedouro, empreendida por homens cuja humanidade se demonstra improvável. Sina que coloca em risco um bioma frágil, populações indígenas, ribeirinhos, coletores de frutos e pescadores que habitam e guardam a floresta, espécies animais e vegetais, recursos hídricos e minerais, um manancial de vida e conhecimento ainda não revelado. Sina que a todos nós submete, enquanto habitantes do planeta.

A presença do carvão, físico e simbólico, nos alerta para um futuro cada vez mais presente. Nas terras calcinadas pelas queimadas e derrubadas das florestas, as águas não mais fluirão livremente.

  Fabiana Éboli Santos

Rio, março de 2022